Artigo - Mudanças Na CLT

Para que possamos ter uma reflexão sobre este texto, faz-se necessário entendermos um pouco o aspecto histórico. 

Desde os anos 30, as iniciativas do governo Vargas, com a criação do Ministério do Trabalho e, em seguida, no campo da legislação trabalhista, tinham nítida vocação corporativista, cuja característica essencial era o controle sobre a ação dos trabalhadores e suas organizações.

No auge do Estado Novo, em 1943, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que define as características básicas do sistema legal e oficial de relações de trabalho.

As peças básicas que compõem a CLT são: Normas Gerais e Especiais de Tutela do Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Organização Sindical, Convenções Coletivas de Trabalho, Processos de Multas, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Processo Judiciário do Trabalho.

Ao longo das décadas de 50 e 60, muitas outras iniciativas, na forma de decretos e medidas legais, foram acrescentando e adequando a legislação. 

E particularmente, nos anos 60, a criação do sistema único de previdência pública (o INPS e depois INSS) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) completou a organização do sistema. Portanto, foi criado um sistema único federal, centralizado e formal em um meio muito heterogêneo.

Atentamos para o seguinte: com a criação do FGTS introduziu-se no sistema um fator de total flexibilidade à medida que a partir de então, os “optantes” do FGTS (a maioria absoluta dos trabalhadores formais) não contavam com qualquer instrumento efetivo de inibição da demissão do trabalho.

O fato é que a CLT e esses outros estatutos representavam ao mesmo tempo atraso e modernização de acordo com a diversidade de situações de trabalho no Brasil. 

Um sistema ambíguo, que reconhecia e regulamentava os direitos sociais do trabalho, mas que inibia as lutas trabalhistas e sindicais por melhores condições salariais e de trabalho.

Por outro lado, protegia os empregadores do conflito, mas gerava a falta de cumprimento da legislação por parte dos mesmos (os motivos iam desde o alto custo da contratação do trabalho até uma cultura de desprezo e desrespeito ao trabalho alheio, cujas raízes são históricas), o que acionava permanentemente a função fiscalizadora e judiciária do aparato estatal do trabalho.

É possível verificar o funcionamento do sistema oficial de relações de trabalho baseado na CLT, observando-se o início e o fim de um contrato formal e individual de trabalho. 

A previdência social, fundo de garantia por tempo de serviço, férias, décimo terceiro salário, cobertura por acidentes e etc., estabelece uma relação de dependência com o vínculo empregatício.

O controle e a proteção do trabalhador individual estendem-se à esfera coletiva de uma categoria ou setor econômico, cuja atualização das condições de trabalho depende dos arranjos negociais, por meio dos acordos e convenções coletivas de trabalho, cujo processo, definido em lei, nunca poderia subtrair direitos já definidos na lei maior, ou seja, na CLT.

Eis aqui o caráter rígido do sistema: corporativista, fiscalizador, estrutura sindical vertical dependente do Estado, ausência de liberdade e autonomia de organização para os sindicatos, ausência de livre contratação e negociação entre as partes, proteção social vinculada à relação formal de trabalho e etc. Ou seja, a CLT determina e a Justiça do Trabalho processa, julga e delibera sobre os problemas individuais e coletivos do trabalho.

A relação abaixo demonstra as principais fases do sistema brasileiro de relações de trabalho, relacionadas com a estrutura e ação dos sindicatos.

Antes de 1930

Autonomia sindical e ausência de liberdade sindical.

A questão operária e trabalhista eram casos de polícia.

 

1930 –1945

Montagem gradual da legislação trabalhista e sindical corporativista.

Institucionalização da estrutura sindical oficial.

Controle dos sindicatos pelo Estado.

Criação da CLT em 1943.

 

1946 –1963

Período de redemocratização e persistência do corporativismo trabalhista.

Dinamização, mobilização e participação crescente dos sindicatos oficiais na vida política nacional. Politização do sindicalismo.

 

1964 –1977

Golpe militar e repressão aos sindicatos.

Exclusão política dos trabalhadores.

Fim da estabilidade e criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

 

1978 –1988

Renascimento do movimento sindical e surgimento do novo sindicalismo. Explosão das greves. Criação das centrais sindicais.

Experiência da negociação coletiva direta entre trabalho e capital.

Presença das comissões de fábrica.

Sistema híbrido de relações de trabalho.

 

1988 –1994

Nova Constituição e liberalização restrita dos sindicatos;

Livre associação sindical no setor público.

Fim da intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos.

Manutenção do corporativismo (Unicidade sindical; Monopólio de representação; Justiça do Trabalho).

 

1994 – 2005

Avanço da flexibilização das relações de trabalho.

Explosão do trabalho informal e da precarização do trabalho.

Terceirização do trabalho.

Aumento do trabalho temporário e autônomo.

Crise do sindicalismo.

 

2005 a 2016

Aprovada uma lei para regulamentar o trabalho à distância, que passou a ser considerado relação de emprego entre patrão e empregado. 

Nova lei modificou o artigo 6º da CLT. 

Mudança no artigo 457 mexeu nas regras para pagamento de gorjetas aos empregados em bares e restaurantes

 

2017

A Reforma Trabalhista de 2017 foi uma mudança significativa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instrumentalizada pela lei № 13.467 de 2017. 

O objetivo da reforma foi combater o desemprego e a crise econômica no país, que teve início em 2014.

As principais mudanças foram:

A contribuição sindical passou a ser opcional.

O banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.

O contrato de trabalho poderá ser extinto de comum acordo, com pagamento de metade do aviso prévio, se indenizado, e metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS. O empregado poderá ainda movimentar até 80% do valor depositado pela empresa na conta do FGTS, mas não terá direito ao seguro-desemprego. (Art. 484-A CLT)

O intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que tenha pelo menos 30 minutos. Além disso, se o empregador não conceder intervalo mínimo para almoço ou concedê-lo parcialmente, a indenização será de 50% do valor da hora normal de trabalho apenas sobre o tempo não concedido em vez de todo o tempo de intervalo devido.

Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um. É vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

É permitido o trabalho de mulheres grávidas em ambientes de baixa ou média insalubridade, exceto se apresentarem atestado médico que recomende o afastamento. Mulheres demitidas têm até 30 dias para informar a empresa sobre a gravidez.

Tudo o que o trabalhador usar em casa será formalizado com o empregador via contrato, como equipamentos e gastos com energia e internet, e o controle do trabalho será feito por tarefa.

Jornada diária poderá ser de 12 horas com 36 horas de descanso, respeitando o limite de 44 horas semanais (ou 48 horas, com as horas extras) e 220 horas mensais.

A multa para empregador que mantém empregado não registrado é de R$ 3 mil por empregado, que cai para R$ 800 para microempresas ou empresa de pequeno porte.

Convenções e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação. Assim, os sindicatos e as empresas podem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar melhor para os trabalhadores. Poderá ser negociado: jornada de trabalho, participação nos lucros, banco de horas, troca do dia do feriado, intervalo intrajornada, entre outros. Mas não poderá ser negociado: Direito a seguro desemprego, Salário Mínimo, 13º salário, Férias anuais, Licença maternidade/paternidade, entre outros.

O plano de carreira poderá ser negociado entre patrões e trabalhadores sem necessidade de homologação nem registro em contrato, podendo ser mudado constantemente.

O pagamento do piso ou salário mínimo não será obrigatório na remuneração por produção. Além disso, trabalhadores e empresas poderão negociar todas as formas de remuneração, que não precisam fazer parte do salário.

Os trabalhadores poderão escolher 3 funcionários que os representarão em empresas com no mínimo 200 funcionários na negociação com os patrões. Os representantes não precisam ser sindicalizados. Os sindicatos continuarão atuando apenas nos acordos e nas convenções coletivas.

A homologação da rescisão pode ser feita na empresa no qual o empregado trabalhou, não sendo obrigatória a assistência do sindicato.

Não são consideradas dentro da jornada de trabalho as atividades no âmbito da empresa como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme.

Haverá uma quarentena de 18 meses que impede que a empresa demita o trabalhador efetivo para recontratá-lo como terceirizado. O texto prevê ainda que o terceirizado deverá ter as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos.

O trabalhador poderá ser pago por período trabalhado, recebendo pelas horas ou diária. Ele terá direito a férias, FGTS, previdência e 13º salário proporcionais. No contrato deverá estar estabelecido o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor do salário mínimo por hora ou à remuneração dos demais empregados que exerçam a mesma função. O empregado deverá ser convocado com, no mínimo, três dias corridos de antecedência. No período de inatividade, pode prestar serviços a outros contratantes.

A duração do trabalho parcial pode ser de até 30 horas semanais, sem possibilidade de horas extras semanais, ou de 26 horas semanais ou menos, com até 6 horas extras, pagas com acréscimo de 50%. Um terço do período de férias pode ser pago em dinheiro.

O tempo despendido até o local de trabalho e o retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho.

O beneficiário da justiça gratuita, se perder a ação, terá que arcar com as custas do processo, incluindo perícia, além dos honorários advocatícios da parte contrária.

O dano extrapatrimonial é definido pela lei quando ofender a esfera moral ou existencial da pessoa, incluindo sua honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade. Há critérios que devem ser levados em conta pelo juiz ao fixar a indenização e ela é medida pelo salário do trabalhador. São criadas quatro categorias de ofensas: de natureza leve (até três vezes o último salário do ofendido), média (até cinco vezes o último salário), grave (até vinte vezes o último salário) e gravíssima (até cinquenta vezes o último salário).

 

Desde a introdução do Plano Real em 1994 novas questões que antes não figuravam no cenário entram em pauta no cotidiano das organizações, muitas vezes sem o concurso das negociações efetivas, o que, além da novidade, demonstra o predomínio dos interesses do capital sobre o trabalho.

Essas questões referem-se à competitividade global, à qualidade dos processos, à produtividade e à reestruturação produtiva, bem como à flexibilização das relações de trabalho, com a adoção da jornada flexível, o banco de horas com redução e aumento da jornada de trabalho, a participação nos lucros, os programas de demissões voluntárias, a terceirização e a subcontratação de serviços.

Os “fundamentalistas da CLT” acreditam que a lei é a única forma de proteção do trabalhador. Eles querem deixar tudo como está, sem nenhuma alteração, julgando que a “classe operária já chegou ao paraíso”.

Não percebem que a realidade se voltou contra a CLT. Não enxergam o mercado informal que institui a pior das flexibilidades, que é a flexibilidade selvagem à margem da lei. 

Não se interessam pelos desempregados certamente, que ao lado dos sem-teto e dos sem-terra, são os sem CLT, aqueles que estão à margem do mercado formal: só cuidam dos empregados com carteira assinada.

A geração de empregos formais é um objetivo a ser perseguido. É um problema da sociedade. Manter a CLT como está é manter a premissa de que o mercado de trabalho é homogêneo. Esse é um modelo sobre o qual se assentou a CLT.

Hoje há um mercado heterogêneo, um mercado onde os salários são cada vez mais variáveis, onde não há mais perspectiva de jornadas fixas, e sim banco de horas, sistemas modernos de alocação do estoque de horas.

A CLT trata igualmente os desiguais; não conhece a heterogeneidade do mercado de trabalho. Ou seja, ela impõe uma igualdade abstrata, gerando uma desigualdade concreta. Então, evidentemente, ela se revela inadequada para o que nós estamos vendo.

O Brasil não pode mais deixar esse assunto de lado. 

As empresas, sindicatos, governo e trabalhadores não devem parar no tempo e deixar a oportunidade de realizar as mudanças necessárias para que possamos gerir pessoas e ter uma causa de trabalho voltada para a qualidade de seres humanos.

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